A liturgia deste domingo nos propõe, de novo, a reflexão sobre a nossa
relação com os bens deste mundo… Nos convida a vê-los, não como algo que nos
pertence de forma exclusiva, mas como dons que Deus colocou nas nossas mãos,
para que os administremos e partilhemos, com gratuidade e amor. Na primeira leitura, o profeta Amós denuncia
violentamente uma classe dirigente ociosa, que vive no luxo à custa da
exploração dos pobres e que não se preocupa minimamente com o sofrimento e a
miséria dos humildes. O profeta anuncia que Deus não vai pactuar com esta
situação, pois este sistema de egoísmo e injustiça não tem nada a ver com o
projeto que Deus sonhou para os homens e para o mundo. O Evangelho nos apresenta, através da parábola
do rico e do pobre Lázaro, uma catequese sobre a posse dos bens… Na perspectiva
de Lucas, a riqueza é sempre um pecado, pois supõe a apropriação, em benefício próprio, de dons de Deus que se
destinam a todos os homens… Por isso, o rico é condenado e Lázaro recompensado. A segunda leitura não apresenta uma relação
direta com o tema deste domingo… Traça o perfil do “homem de Deus”: deve ser
alguém que ama os irmãos, que é paciente, que é brando, que é justo e que
transmite fielmente a proposta de Jesus. Poderíamos, também, acrescentar que é
alguém que não vive para si, mas que vive para partilhar tudo o que é e que tem
com os irmãos?
Reflexão:
Eis ainda uma parábola sobre a má riqueza. Notemos, em
primeiro lugar, que é a única parábola em que Jesus dá um nome a um dos
protagonistas da história que inventa. O pobre chama-se Lázaro. Este nome, em
hebraico, significa “Deus socorreu”. É bem isto que Jesus fez pelo seu amigo. O
rico, esse, é descrito com todo o fausto que o rodeava: vestidos luxuosos,
festins suntuosos e quotidianos. Mas não tem nome. Ele é “o rico”. Aos olhos de
Deus, os que ocupam o primeiro lugar são os pobres. Vamos mais longe. Uma frase
é central no relato: “Lázaro bem desejava saciar-se do que caía da mesa do
rico, mas até os cães vinham lamber-lhe as chagas”. Uma frase muito próxima da
parábola do filho pródigo, quando o filho mais novo lamenta não poder comer a
comida dos porcos. O filho mais novo simboliza, sem dúvida, o homem pecador
fechado na sua solidão. O pobre Lázaro, esse, é vítima do pecado do rico, mas o
resultado é o mesmo: não são vistos por ninguém. Ninguém lhes dá atenção. Só os
cães vêm lamber as chagas do pobre. Temos aí uma descrição muito realista do
que são muitas vezes as nossas relações. “O rico” é um nome anônimo. As nossas
relações não são muitas vezes anônimas? Mesmo com os nossos mais próximos, não
acontece, por vezes, que não os vemos verdadeiramente, a ponto de esquecer
simplesmente de lhes dizer bom dia, de estar atentos a eles. A indiferença é
verdadeiramente um pecado que pode matar. Nomeando o pobre Lázaro, Jesus nos recorda,
ao contrário, que, para Ele e para o seu Pai, cada ser humano é olhado como
único. Jesus veio compensar o olhar vazio e anônimo do rico. Veio socorrer
todos os pobres – é o sentido do nome de Lázaro! Mais ainda que Moisés e os
profetas, é Jesus que devemos escutar, para agir como Ele.
• Talvez a catequese que o Evangelho de hoje nos apresenta
nos pareça, à principio, muito radical: não temos o direito de ser ricos, de
gozar os bens que conquistamos honestamente? No entanto, convém termos
consciência de que cerca de um quarto da humanidade tem nas mãos cerca de 80%
dos recursos disponíveis do planeta; e que três quartos da humanidade têm que
se contentar com os outros 20% dos
recursos. Isto é justo? É justo que várias dezenas de milhares de crianças
morram diariamente por causa da fome e de problemas relacionados com a
subnutrição, enquanto o primeiro mundo destrói as colheitas para que o excesso
de produção não obrigue a baixar os preços? É justo que se gastem em festas
sociais quantias que davam para construir uma dúzia de escolas ou meia dúzia de
hospitais num país do quarto mundo?
• O Vaticano II afirma: “Deus destinou a terra com tudo o
que ela contém para uso de todos os homens e povos; de modo que os bens criados
devem chegar equitativamente às mãos de todos (…). Sejam quais forem as formas
de propriedade, conforme as legítimas instituições dos povos e segundo as
diferentes e mutáveis circunstâncias, deve-se sempre atender a este destino
universal dos bens. Por esta razão, quem usa desses bens, não deve considerar
as coisas exteriores que legitimamente possui só como próprias, mas também como
comuns, no sentido de que possam beneficiar não só a si, mas também aos outros.
De resto, todos têm o direito de ter uma parte de bens suficientes para si e
suas famílias” (Gaudium et Spes, 69).
• Como me situo face aos bens? Vejo os bens que Deus me
concedeu como “meus, muito meus, só meus”, ou como dons que Deus depositou nas
minhas mãos para eu administrar e partilhar, mas que pertencem a todos os
homens?
• Por mais pobres que sejamos, devemos continuamente
interrogar-nos para perceber se não temos um “coração de rico” – isto é, para
perceber se a nossa relação com os bens não é uma relação egoísta, apropriadora,
exclusivista (há “pobres” cujo sonho é, apenas, levar uma vida igual à dos
ricos). E não esqueçamos: é a Palavra de Deus que nos questiona continuamente e
que nos permite a mudança de um coração egoísta para um coração capaz de amar e
de partilhar.
Durante a sua vida, o rico de quem ignoramos o nome conheceu uma certa
felicidade, enquanto que o pobre Lázaro conheceu a infelicidade. A felicidade
nesta terra é efêmera pois está ligada às riquezas. A infelicidade é provisória
porque a verdadeira riqueza será dada. Então, é preciso que a morte intervenha
para que cada um encontre o seu verdadeiro lugar e a justiça seja feita: o
pobre é elevado, ele que tinha sido rebaixado, ele a quem os cães vinham lamber
as chagas. Quanto ao rico, é enterrado, ele que trazia vestes de luxo e fazia
festins suntuosos. São os pobres que são exaltados porque esperam a consolação
de Deus. São os ricos que são enterrados, porque procuram a sua própria
consolação.
ORAÇÃO
“Bendito sejas, Deus de justiça e Pai dos pobres, porque abres os olhos dos
profetas aos sinais dos tempos. Nos excessos da fortuna e do bem-estar, Tu nos fazes
ler os anúncios de revoltas e de desordens. Nós Te pedimos pela nossa terra e
pela nossa sociedade, cujas riquezas estão tão mal distribuídas. Nós Te pedimos
perdão pelos nossos próprios excessos”.
“Soberano único e bem-aventurado, Rei dos reis e Senhor
dos senhores, que possuis a imortalidade, nós Te damos graças porque dás vida a
todas as coisas e nós Te bendizemos pelo teu Filho Jesus, que se manifestará no
tempo fixado. Nós Te pedimos: guarda-nos irrepreensíveis e justos, na fé e no
amor, na perseverança e na doçura”.
“Pai dos pobres e defensor dos oprimidos, nós Te
bendizemos pelos profetas que nos envias, quando deixamos os caminhos da
justiça, e pela glória que reservas àqueles que os homens desprezam. Presos nas
redes de uma sociedade que produz tantos pobres, nós Te pedimos: ilumina-nos
com o teu Espírito, nos conduza por caminhos da justiça”.
Meditação para a semana…
E nós hoje? As palavras de Amós atingem sem compaixão aqueles que não se
preocupam com o desastre de Israel. Lucas põe em cena um homem rico fechado no
luxo, que não tem mesmo qualquer olhar para o pobre Lázaro que está à sua
porta. E nós hoje? Ricos ou não, diante de todos os desastres do mundo, temos
um olhar diferente para com todos os “Lázaros” da nossa sociedade?
fonte:
www.dehonianos.org
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