29-maio-2016- 9 Domingo do Tempo Comum - Lc 7,1-10
A fé do centurião de Cafarnaum é emocionante (evangelho).
É tenente do exército romano, “pagão”,mas estima muito o judaísmo. Sendo Jesus
judeu, o centurião se julga indigno de fazer-lhe um pedido direto e manda os
anciãos da comunidade judaica (afinal, ajudara-os a construir a sinagoga).
Estes insistem com Jesus, e ele vai com eles. Ainda no caminho, o centurião
lhes corre ao encontro: “Não, Senhor, não entre em minha casa. Eu não sou
digno. Mas fale só uma palavra, que meu servo já fica bom. Pois eu sou militar,
eu sei o que uma palavra é capaz de fazer quando a gente tem poder de mandar!”
E Jesus cura o servo, à distância. História emocionante, porque mostra a grande fé do homem
e também sua expressão tão espontânea, nascida de sua vida profissional. “Eu sei
o que é mandar!” Emocionante ainda é a simplicidade com que, primeiro, procura
intermediários e, depois, corre ao encontro de Jesus. Para o evangelista dos
“pagãos”, Lucas, porém, a maior emoção se encontra na palavra de Jesus: “Nem
mesmo em Israel encontrei tamanha fé” (v. 9).
O universalismo transparece na 1ª leitura, tirada da bela
oração de Salomão por ocasião da Dedicação do Templo. Salomão pede a Deus que
também os que vêm de longe encontrem ouvido quando rogarem no templo de
Jerusalém. Mas há certa ambiguidade. Pode ser uma maneira de promover o templo
que ele, Salomão, construiu inclusive, para atrair interesses estrangeiros,
colocou estátuas de divindades estrangeiras em Jerusalém (1Rs 11,7-8). Um
universalismo que cheira a propaganda barata. Universalismo para promover as
próprias instituições. Nesta atitude, a gente se mistura um pouco com Deus. O
verdadeiro universalismo faz abstração do ganho próprio, mas deseja que cada um
encontre Deus no caminho que lhe é próprio. No encontro de Jesus com o
centurião romano, Jesus faz abstração das instituições judaicas.
São Paulo, nas suas viagens, evangelizara uma região bem
“subdesenvolvida”, de pouca cultura, lá no interior da Turquia: a Galácia (2ª
leitura). Eram bárbaros, que mal falavam um pouco de grego. Mas, uma vez que
Paulo abriu o caminho, outros judeus, valendo-se do nome de Jesus de Nazaré,
começaram a pregar para os gálatas, ávidos por qualquer novidade do mundo das
grandes culturas e religiões. Estes novos missionários consideravam o cristianismo
como sendo apenas uma variante do judaísmo. Segundo eles, Jesus era um grande
mestre, mas não tinha iniciado algo realmente novo; o judaísmo permanecia o
único caminho seguro de salvação. Quando fica sabendo disso, Paulo inflama-se e
escreve uma carta severa para explicar aos gálatas que Jesus pôs fim ao
judaísmo. O judaísmo tinha crucificado Jesus e, com ele, suas próprias
prerrogativas e privilégios. O judaísmo servia para os judeus (Paulo o
observava ainda), mas não devia ser imposto aos não-judeus: ou Jesus salva o
homem, ou o judaísmo, mas não ambos ao mesmo tempo; se a Lei salva, Jesus
morreu em vão (cf. Gl 2,21). As leituras de hoje evocam, portanto, um problema
bastante crucial entre nós também. Por um lado, temos pessoas que acham que
fora do catolicismo romano (de preferência na sua forma mais tradicional) não
existe salvação. Por outro, o povão quer garantir sua salvação por uma
combinação de várias crenças (o sincretismo). Nenhuma das duas maneiras entende
o universalismo da salvação de Deus. Deus salva a quem o procura de modo
sincero e autêntico, no caminho que lhe é próprio, seja esse caminho budista,
animista, espírita, ou seja lá o que for. Mas Deus se manifestou também para
ser conhecido melhor em Jesus Cristo, de maneira única. Quem tem a felicidade
de conhecer Jesus Cristo deve, por isso, ajudar a todos a crescerem lá onde
Deus os fez brotar. Se assim eles descobrirem que é Jesus quem os coloca em
contato com o Deus que buscam, tanto melhor. Mas não desejemos um monopólio
para as nossas instituições religiosas. Isso é contraproducente, como mostra a
“implantação” da Igreja no Brasil, que talvez não tenha sido uma verdadeira
evangelização.
Falamos hoje muito em ecumenismo, diálogo
inter-religioso. Mesmo seguros em nossa fé, sentimos que a nossa religião não
deve monopolizar tudo o que é valioso. Na 1ª leitura de hoje, o rei Salomão pede a Deus que ele
atenda também as preces dos não-judeus que forem rezar no templo de Jerusalém.
No evangelho, Jesus louva a fé de um pagão, militar estrangeiro, que lhe pede a
cura de seu empregado com tamanha fé como Jesus “nem mesmo em Israel” tinha
encontrado. Os que moram mais perto da Igreja não são necessariamente
os que têm mais fé. Muitos cristãos tratam a religião cristã como tradição de
família ou forma de aparecer; mas no fundo do seu coração não acreditam, não
dão crédito a Deus. Dirigem-se por seu próprio nariz, sem deixar Deus se
intrometer nos seus negócios … Decidem por conta própria o que lhes convém,
Deus e religião à parte. E mesmo quando estão em apuros, só rezam por interesse
próprio. Diferente é a fé do centurião pagão, que usa a magnífica imagem tirada
da vida militar para reconhecer o poder de Jesus e lhe pedir pela vida de seu
empregado. Este pagão reconheceu em Jesus a presença do “Deus da vida”.
Será que também hoje se encontra tamanha fé entre os que
não pertencem oficialmente à Igreja, mas talvez no coração estão mais próximos
de Jesus do que nós? Não apenas os pagãos que ainda não ouviram o evangelho –
uns poucos índios no coração da selva -, mas os pagãos de nossas selvas de
pedra, desta nossa sociedade, que abafou o evangelho a tal ponto que, apesar
dos muitos templos, ele já não chega ao ouvido das pessoas. Tal que se diz
ateu, talvez porque nunca encontrou verdadeiro cristianismo; ou tal que vive
dissoluto, por ter sido educado assim; ou então, tal que busca Deus com o
coração irrequieto de Santo Agostinho … todos esses não receberão maior elogio
de Deus do que os cristãos acomodados?
Tomar consciência disso terá um duplo efeito salvífico
para os próprios cristãos: descobrirão a riqueza dos outros, o modo como Deus
se manifesta em todo o universo humano; e darão mais valor ao modo único no
qual ele se dá a conhecer em Jesus Cristo.
Fonte:
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ,
Editora Vozes
www.franciscanos.org.br/
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