Neste
domingo, dia 12 de abril, celebramos a festa da Divina Misericórdia, instituída
pelo Papa São João Paulo II, em 30 de abril de 2000, por ocasião da canonização
da Irmã Maria Faustina Kowaslka, religiosa polonesa, nascida em 1905 e falecida
em 1938.
Essa
freira da Congregação de Nossa Senhora da Misericórdia escreveu muitas
anotações em cadernos que reunidos em um só volume formam o conhecido Diário da
Irmã Faustina ou o Diário: a Misericórdia Divina na minha alma, publicado, no Brasil,
pelos Padres Marianos, de Curitiba, PR, com 520 páginas, incluindo o prefácio,
a introdução, as notas finais, o índice e as fotos coloridas referentes à vida
da Santa. Importa, pois, nesta data conhecermos, ainda que de passagem, tão
importante devoção que, embora provenha de uma revelação particular, ou seja,
daquele tipo de revelação que o fiel católico pode aderir com sua fé humana (e
não sobrenatural, como deve fazer com as verdades da revelação oficial da
Igreja encerrada com os Apóstolos, cf. Catecismo da Igreja Católica n. 67),
traz ricas lições aos homens e mulheres do nosso tempo tão marcado pelo descaso
para com o próximo ou pela descrença na justiça humana. Aqui alguém poderia
perguntar: se temos essa admoestação a respeito das revelações particulares,
por que fundar-se em uma delas? – Responde-nos o estudioso Pe. Dr. Achylle A.
Rubin, religioso palotino, em sua obra Eterna é a sua misericórdia (Cascavel:
Alicerce, 2003, p. 16-19). Ele
diz que o “Culto e devoção à divina misericórdia, estimulado por uma revelação
particular, feita a Santa Faustina, teve uma repercussão muito grande em todo o
mundo católico, o que deu apoio a que o Magistério da Igreja se pronunciasse a
favor” (...). Além disso, assevera Pe. Achylle, que muito mais importante é
“dar-nos conta que essa realidade está amplamente revelada ao correr de toda a
Bíblia, e a teologia sempre a inseriu em suas reflexões, de tal sorte que, além
de constar como revelação pública, ela foi proclamada novamente e feita objeto
de devoção e culto, graças à insistência de uma revelação particular”. Sim, o
Papa São João Paulo II “publicou sobre o assunto a encíclica Dives in
misericórdia, rico em Misericórdia, exclusivamente fundada nas Escrituras e nas
conclusões universalmente reconhecidas da teologia. Verdade é que não foram de
pouca importância as influências exercidas sobre o Papa pelas revelações de
Santa Faustina, como também as que vieram da parte da devoção, amplamente
divulgada entre os fiéis de todo o mundo”. “Isto posto – continua o Pe. Achylle
–, alguém pode ater-se, tanto para a devoção pessoal, como para a pregação, ao
conselho de São João da Cruz. Adverte-nos ele que as revelações particulares
que correspondem com as verdades já contidas na fé de toda a Igreja, nós as
aceitemos, não por serem reveladas a um particular, mas por pertencerem já à
mesma fé de toda a Igreja” (São João da Cruz, OO.CC., Ed. Vozes. Petrópolis,
1996, p. 309). Também Dom Estevão Bettencourt, OSB, experiente teólogo
brasileiro do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro e grande batalhador nessa
Arquidiocese, anota que “a Igreja não pode impor à crença dos fiéis nem o
presumido fato de uma aparição nem o teor da respectiva mensagem, de modo que
se alguém não quer crer nas aparições de Lourdes, não está incidindo em
heresia. É o que o Papa Bento XIV (1740-1758) declarou explicitamente: ‘A
aprovação dada pela Igreja a uma revelação privada não é outra coisa senão a
permissão outorgada, após atento exame, para tornar conhecida essa revelação em
vista da instrução e do bem dos fiéis. A tais revelações, mesmo que aprovadas
pela Igreja, pode-se deixar de dar o assentimento..., desde que isto se faça
por boas razões e sem a intenção de menosprezo’ (De Servorum Dei Beatificatione
II 32,11)” (Teologia Fundamental. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013, p.
144-145).
Feita
essa esclarecedora catequese, passemos a alguns dos principais traços das
revelações à Santa Faustina Kowaslka, conforme consta do seu Diário. São eles:
o quadro de Jesus Misericordioso, sua Festa, o terço e a hora da Misericórdia
bem como o seu culto a ser difundido. O quadro com a pintura de Jesus
misericordioso aparece nos escritos de Santa Faustina do seguinte modo: “À
noite, quando me encontrava na minha cela, vi Nosso Senhor vestido de
branco. Uma das mãos erguidas para a bênção, e a outra tocava-Lhe a túnica,
sobre o peito. Da túnica entreaberta sobre o peito saiam dois grandes raios, um
vermelho e o outro pálido. (...) Logo depois, Jesus me disse: Pinta uma imagem
de acordo com o modelo que estás vendo com a inscrição: Jesus, eu confio em Vós”
(Diário 47). Quero que essa Imagem (...) seja benzida solenemente no primeiro
domingo depois da Páscoa, e esse domingo deve ser a Festa da Misericórdia”
(Diário 49). E veio a explicação: “o raio pálido significa a Água que justifica
as almas; o raio vermelho significa o Sangue que é a vida das almas. (...)
Feliz aquele que viver à sua sombra” (Diário 299). Disse ainda o Senhor,
segundo Santa Faustina, que por meio desse sinal concederia “muitas graças às
almas; que toda alma tenha, por isso, acesso a ele” (Diário 570). Depois repete
que dará “muitas graças às almas. Ela [a alma] deve lembrar as exigências da
Minha misericórdia, porque mesmo a fé mais forte de nada serve sem as obras”
(Diário 742). Outro ponto lembrado pela Santa polonesa, em vários trechos dos
seus escritos, é a festa em honra da Divina Misericórdia a ser celebrada no
primeiro domingo depois da Páscoa com a bênção da estampa de Jesus
misericordioso pintada com pincel. Tal festa deseja mostrar a estrita união que
existe entre o mistério pascal da Redenção e o mistério da Misericórdia de Deus.
Esta festa deve ser, pelas palavras de Cristo à religiosa polonesa, “um refúgio
e abrigo para todas as almas, especialmente para os pecadores” (Diário 699),
pois “as almas se perdem, apesar da Minha amarga Paixão. Nesse dia, da Festa da
Divina Misericórdia, as almas alcançarão o perdão de suas faltas e dos
castigos, pois “estão abertas as entranhas da Minha misericórdia. Derramo todo
um mar de graças sobre as almas que se aproximam da fonte da Minha
misericórdia. (...) Que nenhuma alma tenha medo de se aproximar de Mim, ainda
que seus pecados sejam como o escarlate” (Diário 699). Ir. Elzbieta faz questão
de comentar, todavia, que essa promessa do Senhor não vem como um passe de
mágica. “Para aproveitar esse dom é preciso cumprir as condições da devoção à
Misericórdia Divina: o amor para com o próximo e encontrar-se em estado de
graça santificante (após a confissão) dignamente recebendo a Sagrada Comunhão”
(Diário: a misericórdia divina em minha vida, p. 11). O terço da Misericórdia
Divina é mais uma devoção dessa espiritualidade anunciada em setembro de 1935,
como oração de reparação pelos pecados dos homens. Quem recita esse terço
aproxima a humanidade inteira do Senhor e é envolvido pela Divina Misericórdia,
especialmente na hora de sua morte (cf. Diário 754 e 920). A hora da Misericórdia é outra devoção
anunciada em outubro de 1937, em Cracóvia: pede-se para venerar a Hora da morte
de Cristo na Cruz com as seguintes palavras: “Todas as vezes que ouvires o
bater do relógio, às três horas da tarde, deves mergulhar na Minha
misericórdia, adorando-A e glorificando-A. Implora a onipotência dela em favor
do mundo inteiro, especialmente dos pobres pecadores, porque nesse momento [a
misericórdia] foi largamente aberta para toda a alma” (Diário 1572). Não basta, contudo, amar a Deus sem amar ao
próximo, como ensina São João (cf. 1Jo 4,40), daí Santa Faustina recordar da
inspiração: “Deves mostrar-te misericordiosa com os outros, sempre e em
qualquer lugar. Tu não podes te omitir, desculpar-te ou justificar-te” (Diário
742). Sobre esse ponto muito importa o comentário da Irmã Elzbieta Siepak: “A
divulgação do culto da Misericórdia Divina não exige necessariamente muitas
palavras, mas sempre uma atitude cristã, de confiança em Deus, tornando-se cada
vez mais misericordioso. O exemplo deste apostolado foi-nos dado pela Irmã
Faustina durante toda a sua vida” (Diário: a misericórdia divina em minha vida,
p. 12).
Cristo
ressuscitado nos ensina a necessidade da misericórdia e nos pede para praticar
a caridade. Viver a fé nos impulsiona a levar a sério as palavras de nosso
Mestre: Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia
(Mt 5,7). A expressão de fé madura está nos atos concretos de caridade. Que a
celebração deste domingo fortaleça os nossos corações pela graça de Deus! A
misericórdia de Deus está chegando ao nosso irmão por meio de ações concretas,
palavras de esperança e constante oração para que desça a misericórdia sobre
nós e sobre o mundo inteiro!
Oração:
"Ajuda-me, Senhor, que minhas mãos possam ser misericordiosas e cheias de
boas ações. Eu sei fazer o bem ao próximo, tomar sobre mim o trabalho mais
pesado? Ajuda-me, que o meu pé possa ser
misericordioso, para que eu possa correr para ajudar o meu próximo, vencendo a
própria fadiga e cansaço. Meu verdadeiro descanso está a serviço dos outros? Ajuda-me, Senhor, que meu coração seja
misericordioso, para que eu possa sentir em mim todos os sofrimentos dos
outros..."
(Santa Faustina, Diário, 163).
Que
neste segundo Domingo da Páscoa, o da Misericórdia, Deus abençoe a todos!
Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)
fonte:
www.cnbb.org.br
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