05-novembro – 2017- Solenidade de Todos os Santos
Somos santos já, na medida em que pertencemos a Deus
no presente
A festa de todos os santos abrange os três momentos do
tempo, além da dimensão universal do espaço. De fato, celebramos os justos do
passado, celebramos a vocação à santidade futura (o “céu”), e celebramos a
santidade como dom (graça) presente. Como
esta dimensão presente é a em que menos se pensa quando se fala de santidade,
achamos que ela merece uma atenção especial: é a mensagem das Bem-Aventuranças,
no evangelho (Mt 5,1-12, ). As Bem-Aventuranças devem ser entendidas como uma proclamação
da chegada do Reino de Deus para as pessoas que vão ficar felizes com isso ( acrescenta
também aqueles que vão ficar infelizes …). São, ao mesmo tempo, a proclamação
da amizade de Deus para aqueles que participam do espírito que é evocado por
oito exemplificações, um programa de
vida para todos os que escutam a palavra do Cristo. Este programa de vida já entra em ação desde
que alguém se toma discípulo de Jesus: os que estão realizando este programa já
são “santos”. Por isso, este evangelho foi escolhido para a festa de hoje.
Jesus proclama a bem-aventurança (a felicidade, o “bom encaminhamento”, a “boa
ventura”) dos “pobres no espírito” ,porque deles é o Reino dos Céus, ele não
quer dizer o além da morte – uma recompensa futura pela carência na terra – mas
a realidade presente. “Reino dos Céus” é maneira semítica de dizer “Reino de
Deus” (por respeito, Deus é chamado “os Céus”). E o Reino de Deus começa onde
se faz a vontade de Deus, como aprendemos do Pai-nosso, que Jesus ensina em
seguida. Se entendêssemos as
Bem-Aventuranças somente como uma compensação para depois da morte, elas seriam
“ópio do povo”. Mas o contrário é verdade: elas são um incentivo para realizar,
desde já, o novo espírito, que traz presente o Reino. O sentido das
Bem-Aventuranças é, exatamente, relacionar o dom escatológico (expresso nos
termos: “serão consolados, serão saciados” etc.) com a realidade de hoje. O dom
escatológico não cai do céu, mediante a atuação de algum mágico, mas é o que,
da parte de Deus, corresponde à atitude do justo, do servo, do “pobre do
Senhor”. Corresponde à atitude de não procurar a mera afirmação pessoal no
poder e na riqueza, mas de dispor-se inteiramente para a obra de Deus, pelo
esvaziamento, a mansidão, a paciência no sofrer, a sede de justiça divina, o
empenho pela paz … Em outros termos, somos santos já, na medida em que
pertencemos a Deus no presente. Então, também o futuro de Deus nos pertence. A mesma mensagem proclama a 2ª leitura (1Jo
3): nossa atual santidade, por sermos filhos de Deus, embora ainda não seja
manifesto “o que seremos” (= a nossa glorificação). Portanto, quem é celebrado hoje
é, em primeiro lugar, os “filhos de Deus” Santos neste mundo. A isto se une a visão antecipada do autor do
Apocalipse sobre a plenitude dos que aderiram a Cristo, seguiram o Cordeiro (1ª
leitura). É o número perfeito das tribos (12 x 12.000), os eleitos de Israel (o
autor é judeu-cristão), mas também um número inumerável de todas as nações
(universalismo – mas ainda assim há quem ensine que no céu só tem 144.000
lugares … ). Ora, tanto na mensagem das
Bem-Aventuranças quanto na visão do Apocalipse ganham um destaque especial os
mártires, os que são perseguidos por causa do evangelho, os que lavaram suas
vestes no sangue do Cordeiro e vêm da grande tribulação. Testemunhar de Cristo
com seu sangue é a marca mais segura da santidade. Mas, com ou sem sangue,
todos deverão fazer de sua vida um pertencer a Cristo, para que possam ser
chamados “santos”, isto é, consagrados a Deus.
As orações insistem muito na intercessão dos santos. É um aspecto deste
dia, que atinge muito a sensibilidade popular. É preciso fazer aqui um delicado
trabalho de interpretação. Confiar em alguém como intercessor supõe sentir-se
solidário (familiar) com ele. Será que vivemos como familiares destes
intercessores? Será que cabemos na sua companhia?
A comunhão dos Santos
Atualmente pouco se ouve falar na “comunhão dos santos”.
Além disso, muitos fiéis talvez tenham uma idéia muito restrita a respeito de
quem são os santos… Nas suas cartas,
Paulo chama os fiéis em geral de “santos”. Todos os que pertencem a Cristo e
seu Reino constituem uma comunidade viva e real, a “Comunhão dos Santos”. As bem-aventuranças (evangelho) proclamam a
chegada do Reino de Deus e, por isso, a boa ventura daqueles que “combinam com
ele”. Assim, caracterizam a comunidade dos “santos”, os “filhos do Reino”, e
proclamando a sua felicidade e salvação.
Jesus felicita os “pobres de Deus”, os que confiam mais em Deus do que na
prepotência, os que produzem paz, os que vêem o mundo com a clareza de um
coração puro etc. Sobretudo os que sofrem por causa do Reino, pois sua recompensa
é a comunhão no “céu”, isto é, em Deus. Dedicando sua vida à causa de Deus,
eles “são dele”. É o que diz S. João (2ª leitura): já somos filhos de Deus, e
nem imaginamos o que seremos! Mas uma coisa sabemos: seremos semelhantes a ele,
realizaremos a vocação de nossa criação (Gn 1,26). O amor de Deus tomará
totalmente conta de nosso ser, ao ponto de nos tornar iguais a ele. A santidade não é o destino de uns poucos,
mas de uma imensa multidão (1ª leitura): todos aqueles que, de alguma maneira,
até sem o saber, aderiram e aderirão à causa de Cristo e do Reino: a comunhão
ou comunidade dos santos. Ser santo
significa ser de Deus. Não é preciso ser anjo para isso. Santidade não é
angelismo. Significa um cristianismo libertado e esperançoso, acolhedor para com
todos os que “procuram Deus com um coração sincero” (Oração Eucarística IV).
Mas significa também um cristianismo exigente. Devemos viver mais expressamente
a santidade de nossas comunidades (a nossa pertença a Deus e a Jesus), por uma
prática da caridade digna dos santos e por uma vida espiritual sólida e
permanente. Sobretudo: santidade não é beatice, não é medo de viver.
É uma atitude dinâmica, uma busca de pertencer mais a Deus e assemelhar-se sempre mais a Cristo. Não exige boa aparência! Desprezar os pobres é desprezar os santos! Mas exige
disponibilidade para se deixar atrair por Cristo e entrar na solidariedade dos
fiéis de todos os tempos, santificados e unidos por ele.
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
fonte:
www.franciscanos.org.br
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