NATAL DO
SENHOR – MISSA DO DIA - Jo
1,1-18
A Igreja primitiva
recorreu, frequentemente, a hinos para celebrar, expressar e anunciar a sua fé.
O prólogo ao Evangelho de João que hoje nos é proposto é um bom exemplo disso
mesmo. Não é certo se este hino foi composto por João, ou se o autor do Quarto Evangelho
usou um primitivo hino cristão conhecido da comunidade joânica, adaptando-o de
forma a que ele servisse de prólogo a esse texto tão peculiar que é o Evangelho
segundo João. O que é certo é que o hino cristológico que chegou até nós
expressa, em forma de confissão, a fé da comunidade joânica em Cristo enquanto
Palavra, a sua origem eterna, a sua procedência divina, a sua influência no
mundo e na história, possibilitando a quantos O aceitam ser “filhos de Deus”.
Essas grandes linhas aqui enunciadas vão ser desenvolvidas depois pelo
evangelista ao longo da sua obra. Ao usar a expressão “no
princípio”, João enlaça o seu Evangelho com o relato da criação (cf. Gn 1,1),
oferecendo-nos assim, desde logo, uma chave de interpretação para o seu
escrito. Aquilo que ele vai narrar sobre Jesus está em relação com a obra
criadora de Deus: em Jesus vai acontecer a definitiva intervenção criadora de
Deus no sentido de dar vida ao homem e ao mundo… A atividade de Jesus, enviado
do Pai, consiste em fazer nascer um homem novo; a sua ação coroa a obra
criadora iniciada por Deus “no princípio”.
João começa por apresentar a “Palavra” (“Lógos”). A “Palavra” é – de
acordo com o autor do Quarto Evangelho – uma realidade anterior ao céu e à
terra, implicada já na primeira criação. Esta “Palavra” apresenta-se, assim,
com as características que o Livro dos Provérbios atribuía à “sabedoria”:
pré-existência (cf. Prov 8,22-24) e colaboração com Deus na obra da criação
(cf. Prov 8,24-30). No entanto, essa “Palavra” não só estava junto de Deus e
colaborava com Deus, mas “era Deus”. Identifica-se totalmente com Deus, com o
ser de Deus, com a obra criadora de Deus. É como que o projeto íntimo de Deus,
que se expressa e se comunica como “Palavra”. Deus se faz inteligível através
da “Palavra”. Essa “Palavra” é geradora de vida para o homem e para o mundo,
concretizando o projeto de Deus. A
“Palavra” veio ao encontro dos homens, fez-Se “carne” (pessoa). João identifica
claramente a “Palavra” com Jesus, o “Filho único, cheio de amor e de verdade”,
que veio ao encontro do homem. Nessa pessoa (Jesus), “cheio de amor e de
verdade”, podemos contemplar o projeto ideal de homem, o homem que nos é
proposto como modelo por Deus, a meta final da criação de Deus. Essa “Palavra” “montou a sua tenda no meio de nós”. O verbo “skênéô” (“montar a
tenda”), aqui utilizado, alude à “tenda do encontro” que, na caminhada pelo
deserto, os israelitas montavam no meio ou ao lado do acampamento e que era o
local onde Deus residia no meio do seu Povo (cf. Ex 27,21; 28,43; 29,4…).
Agora, a “tenda de Deus”, o lugar onde Ele habita no meio dos homens, é o
homem/Jesus. Quem quiser encontrar Deus e receber d’Ele vida em plenitude
(salvação), é para Jesus que se tem de voltar.
A função dessa “Palavra” está ligada ao binômio vida/luz: comunicar ao
homem vida em plenitude; ou, por outras palavras, trata-se de acender a luz que
ilumina o caminho do homem, possibilitando-lhe encontrar a vida verdadeira, a
vida plena, livre, total. Jesus Cristo
vai, no entanto, deparar-se com a oposição à vida/luz que Ele traz. Ao longo do
Evangelho, João irá contando essa história do confronto da vida/luz com o
sistema injusto e opressor que pretende manter os homens prisioneiros do
egoísmo e do pecado (e que João identifica com a Lei. Os dirigentes judeus que
enfrentam Jesus são o rosto visível dessa Lei). Recusar a vida/luz significa
preferir continuar a caminhar nas trevas (na mentira, na escravidão),
independentemente de Deus; significa recusar chegar a ser homem pleno, criação
acabada. Mas o acolhimento da “Palavra”
implica a participação na vida de Deus. João diz mesmo que acolher a “Palavra”
significa tornar-se “filho de Deus”. Começa, para quem acolhe a
“Palavra”/Jesus, uma nova relação entre o homem e Deus, aqui expressa em termos
de filiação: Deus dá vida em plenitude ao homem, oferecendo-lhe, assim, uma
qualidade de vida que potencia o seu ser e lhe permite crescer até à dimensão
do homem novo, do homem acabado e perfeito. Isto é uma “nova criação”, um novo
nascimento, que não provém da carne e do sangue, mas de Deus. A encarnação de Jesus significa, portanto, a
oferta que Deus faz à humanidade da vida em plenitude. Sempre existiu no homem
o anseio da vida plena, conforme o projeto original de Deus; mas, na realidade,
esse anseio fica muitas vezes frustrado pelo domínio que o egoísmo, a
injustiça, a mentira e a opressão (o pecado) exercem sobre o homem. Toda a obra
de Jesus consistirá em capacitar o homem para a vida nova, a vida plena, a fim
de que ele possa realizar em si mesmo o projeto de Deus – a semelhança com o
Pai. ¨ A transformação da “Palavra” em
“carne” (em menino do presépio de Belém) é a espantosa aventura de um Deus que
ama e que, por amor, aceita revestir-se da nossa fragilidade para nos dar vida
em plenitude. Neste dia, somos convidados a contemplar, numa atitude de serena
adoração, esse incrível passo de Deus, expressão extrema de um amor sem
limites. ¨ Acolher a “Palavra” é deixar que Jesus nos transforme, nos dê a vida
plena, a fim de nos tornarmos verdadeiramente “filhos de Deus”. O presépio que
hoje contemplamos é, apenas, um quadro bonito e terno, ou uma interpelação a
acolher a “Palavra”, de forma a crescermos até à dimensão do homem novo?
¨ Hoje, como ontem, a
“Palavra” continua confrontando-se com
os sistemas geradores de morte e procura
eliminar na origem tudo o que rouba a vida plena e a felicidade do homem.
Sensíveis à “Palavra”, embarcados na mesma aventura de Jesus – a “Palavra” viva
de Deus – como nos situamos diante de tudo aquilo que rouba a vida ao homem?
Podemos pactuar com a mentira, o oportunismo, a corrupção, a violência, a
exploração dos pobres, a miséria, as limitações aos direitos do homem, a
destruição da dignidade dos mais fracos?
fonte:
www.dehonianos.org
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